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Seis aprendizagens regenerativas para 2025
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Seis aprendizagens regenerativas para 2025
Se a luz entra por fendas, se é nos pontos mais vulneráveis que as árvores crescem, acolho as lições de 2024 e dos processos de regeneração em curso como sinais de esperança.
QUEM SOMOS
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O ano de 2024 foi marcado por conflitos globais com impactos sem precedentes em crianças, pelo exacerbar de polarizações sociopolíticas, catástrofes climáticas, a quebra pela primeira vez da marca simbólica de 1,5ºC de aquecimento global em relação aos níveis pré-industriais… com algumas bolsas de mudança positiva. Se a luz entra por fendas, se é nos pontos mais vulneráveis que as árvores crescem, escolho acolher as lições de 2024 e dos processos de regeneração em curso como sinais de esperança.
Avançando para 2025, vamos buscar inspiração ao “otimismo teimoso”, conceito consagrado pela Christiana Figueres, arquiteta do Acordo de Paris, sabendo que:
1. Somos e só podemos ser natureza
É o princípio de toda a transição que somos chamados a fazer porque nos reposiciona na teia da vida. Perceber que somos natureza, feitos de partículas cósmicas, que foram e serão pedaços de outras coisas. Que estamos interligados, em padrões que se repetem, em dinâmicas químicas e físicas, fluxos de energia e de matéria.
Logo, que a natureza não é um repositório de recursos à nossa disposição, de um lugar de superioridade, antropocentrismo e divinização do humano. Mais, que “ser humano” não é o contrário de “ser natureza”. Há, aliás, um movimento em curso no Reino Unido para alterar a descrição nos dicionários de homem e natureza como opostos, para recolocar-nos no lugar de onde nunca deveríamos ter saído – em muitas línguas indígenas, nunca deixaram de estar ligados.
Neste sentido, a insustentabilidade dos sistemas atuais é uma história de desconexão num mundo supostamente conectado como nunca antes: do homem e da natureza; das partes e do todo, com as ideias mecanicistas que desmontaram o universo em pedaços e estão enraizadas nas nossas estruturas e empresas; da supremacia do lado esquerdo, lógico, sequencial, sobre o lado direito, emocional e intuitivo do cérebro; das características de dominação e racionalidade masculina sobre a empatia e o sentido do todo feminino (sobre tudo isto, ler a obra de Giles Hutchins e Laura Storm).
O sentimento de pertença e o princípio da completude ensinam-nos a valorização da natureza, e do ser humano como parte dela, e, de modo tangível, do capital natural e das externalidades excluídas dos modelos financeiros e de desenvolvimento global atuais. A transição em curso implica reconexões, desaprender e deixar ir alguns dos quadros mentais que nos trouxeram a este ponto de rutura.
2. O sonho é um pedaço de terra “entre as mãos de uma criança”
Na cabeça, tenho a melodia do Manuel Freire e as palavras do António Gedeão, da pedra filosofal e daquele “sonho constante da vida”, do ribeiro manso, dos pinheiros altos, das aves que gritam, de um mundo “que pula e avança como bola colorida entre a mãos de uma criança.” Música que aprendi quando era pequena.
É nessa idade de descoberta e fascínio que a conexão com a natureza precisa de ser o cenário dos dias. Se queremos que as gerações mais novas de hoje, determinantes para o estado do nosso planeta nos próximos séculos, percebam o que estamos a salvar, que as plantas e animais não são espécies invasoras, que o solo está vivo, que não há papel sem árvores nem árvores sem água, que tudo é cíclico e as estações são parte de nós, temos de permitir às nossas crianças por as mãos na terra, correr à chuva, apanhar insetos. Não as podemos fechar em gaiolas de cimento (vulgo casas e prédios) 80% do seu tempo… e boa parte dele em universos digitais.
A Educação Ambiental, em tudo o que significa, da Biologia à Ecologia Profunda, tem de integrar os currículos escolares e a vida das nossas crianças. Devia, aliás, chegar a todos nós. Ainda assim, como sociedade temos, no mínimo, de garanti-lo às crianças já. Há projetos maravilhosos em Portugal a ganhar espaço, ainda lentamente, e em pequenas escalas. Mas está a acontecer. Como organizações, profissionais, pais, cidadãos, podemos ajudar a acelerar este movimento. É o conhecimento e a vivência mais valiosa que podemos deixar às gerações futuras.
3. É preciso abandonar as dicotomias e acolher o potencial nos espaços liminares
Há, de facto, vários movimentos regenerativos a acontecer, alguns há décadas, em Portugal: eco-escolas, ecovilas, projetos de reflorestação com espécies nativas e proteção da biodiversidade para o futuro, de agricultura regenerativa, sintrópica, espaços de sociocracia, cooperativas e comunidades rurais e urbanas, solidárias e colaborativas. Também em algumas empresas e com novos produtos (ou resgatando práticas antigas).
Estão aí, no nosso país, na nossa região, no nosso bairro, onde pessoas diversas e espécies pioneiras se encontram. Trazem sabedorias antigas, tecnologias modernas, cruzam disciplinas e exploram possibilidades.
Todo o nosso potencial criativo entra em ação nestas zonas liminares, em ecossistemas adjacentes, em que se conseguem acolher tensões e ideias opostas, num jogo de divergências e convergências. A diversidade promove a vitalidade e criam-se aí condições para que novas respostas possam emergir. Vale a pena acompanhar e dar um contributo ao que está a acontecer, mesmo aqui ao lado.
4. Há muita vida para lá do ESG
O ano de 2024 foi deixando isso claro: não, a moldura do ESG (Environment, Social and Governance) e a nova diretiva de reporte corporativo, a CSRD, não vão salvar-nos. Servem o propósito válido da União Europeia e do Green Deal de ligar as condições de financiamento bancário ao desempenho socioambiental corporativo. De tocar as empresas onde lhes pesa mais – no bolso –, e orientar fluxos de investimento para projetos mais sustentáveis.
Tudo o que é compliance será para cumprir. Há softwares de reporte, como a ESG Maturity, em consolidação graças a parcerias estratégias com instituições como a SIBS e o Turismo de Portugal, e que vão agilizar o processo. Vão ajudar a aplicar standards e monitorizar resultados para tornar a gestão de indicadores menos penosa (penosa é o termo). Temos muito trabalho pela frente, e muitas empresas ainda não se aperceberam que esta onda de mudança vem na sua direção. Mas tudo isto pode abrir janelas para repensar impactos e adotar processos de aprendizagem contínua, conectar stakeholders e criar espaços de diálogo (honesto) sobre como podemos ser melhores – como organização e como sociedade.
Acima de tudo, é preciso recusar a tirania dos números e de um reporte cego, que continua a servir os modelos de crescimento em vigor. São as histórias, a metanarrativa, o subtexto por detrás dos números e as estratégias e decisões tomadas que podem dar lugar à transição sistémica necessária.
5. Os IDG são uma ferramenta poderosa para a transição
Nós não somos observadores das crises sistémicas de hoje – somos agentes ativos com o poder de escolha. A mudança a operar começa por isso num lugar interior, em que tomamos consciência de quem somos e do papel que podemos ter. Os Inner Development Goals (IDG), uma moldura open-source de competências transformacionais para um desenvolvimento sustentável, estão a revelar-se uma ferramenta poderosa no contexto das organizações e da sociedade para mobilizar o seu potencial.
Os IDG articulam-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a agenda de desafios globais externos, para trabalhar competências internas que vão do Ser ao Pensar, Relacionar, Colaborar e Agir, reconectando-nos com nós próprios, aos outros e à natureza. E começam pelo respeito pela pessoa, e pela necessidade de acompanhamento nesta transição acelerada, no trabalho, como fora dele.
Na EarthWise Alliance, vemos muita riqueza nesta moldura regenerativa e estamos, por isso, a aplicá-la em muito do trabalho que fazemos, da Saúde Mental, Well-Being e pertença dos colaboradores à preparação para a vida na reforma. Este ano, queremos testar a integração na Educação Ambiental, projetos intergeracionais e de desenvolvimento do talento.
O potencial é, de facto, enorme e há muito por desbravar. Organizações mais ousadas já o estão a fazer e os resultados são inspiradores: pela (re)descoberta de talentos que são colocados ao serviço dos outros e pela cocriação de ideias e soluções, tendo como propósito evolucionário comum a prosperidade da vida na terra.
6. É tempo de lideranças partilhadas, esperança e imaginação
Já o fui dizendo e por aqui termino: um futuro regenerativo só é possível com uma liderança que inspire colaboração e inclusão. Uma liderança regenerativa e partilhada que desafia hierarquias rígidas, valoriza a diversidade de perspetivas e competências nas comunidades e organizações. Que fomenta a inovação, a empatia e um compromisso genuíno com soluções conjuntas.
É mais que tempo de tomarmos consciência da urgência, do estado-limite e das barreiras planetárias que estamos a ultrapassar. Em circunstâncias extremas somos movidos por um sentido de propósito e forças dentro de nós que nem conhecíamos. A pandemia está (ainda) próxima na memória e provou exatamente isso. É esse potencial latente nos indivíduos, organizações e comunidades que precisamos de acordar. Os princípios da Liderança Regenerativa orientam-nos aqui ao beber da sabedoria da natureza, ao unir forças criativas para restaurar, renovar e valorizar os ecossistemas de que somos parte.
Por tudo isto, o futuro é colaborativo e não de competição. Como nota a Lynn Margulis, “a vida tomou conta do planeta não por combate mas por networking”. E isto é muito válido para as organizações e as suas cadeias de valor e relações mais amplas. As que compreenderem isto vão ser capazes de criar campos vivos de ação, responsivos e resilientes, e liderar a transformação necessária.
O ano de 2025 convida-nos assim a abraçar esta metamorfose. A aparecer com tudo o que somos. Quebrar categorias. A praticar a “esperança ativa” de que nos falam a Joanna Macy e o Chris Johnstone, como “estado de vivacidade que transforma as nossas vidas e o nosso mundo”, porque compreendemos que somos parte de algo maior. A praticar o “ativismo da imaginação” da Phoebe Tickell, que nos desafia a exercitar e dar asas à imaginação para criar novas possibilidades e ações. Com tudo isto, a fortalecer capacidades e compromissos para desempenhar o nosso papel individual e coletivo, qualquer que ele seja, e regenerar o nosso mundo para a nossa e as gerações futuras.
Dezembro de 2024
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